quarta-feira, 16 de junho de 2021

Januário de Oliveira: a voz de inesquecíveis noites de domingo

 

Ilustração Cacinho

Por João Henrique Barbosa**


Cheguei a Vassouras, de mudança com papai e mamãe, em uma tarde de domingo de 1987 –  23 de agosto, para ser mais preciso. A primeira coisa que fiz na Cidade Histórica foi ligar a Telefunken preto e branco em um canto da casa, improvisar uma antena para fazer funcionar a TV Educativa e acompanhar a final do basquete do Pan de Indianápolis. Oscar e Marcel enfileiravam bolas de três e batemos os Estados Unidos em um jogo inesquecível. 


Na narração, um Januário de Oliveira, bem mais afeito ao futebol, emprestava o seu talento a uma vitória épica daquele que até poucos anos atrás era o segundo esporte do brasileiro. Mais tarde, nos anos 1990, ele se tornaria a voz do futebol carioca na TV, graças às transmissões do Campeonato Estadual na Band. 


Gaúcho do Alegrete como João Saldanha, Januário de Oliveira eu conheci ainda bem menino. Era ele o responsável pelas reprises exibidas na TV Educativa “canal 2, Rio de Janeiro” (como ele frisava nas transmissões) no fim das noites de domingo, em um tempo em que futebol na TV era um luxo. Explico aos mais novos: futebol, salvo partidas decisivas dos campeonatos mais importantes, se acompanhava pelo rádio. Domingo, 17 horas acontecia o principal jogo da rodada. Todo mundo se aboletava em volta do rádio. Fosse uma vitrola na sala ou aparelho menor, no quarto, quando a importância do jogo se resumia aos mais apaixonados. Em tardes de muito calor, os bairros populares viam suas ruas cheias de torcedores apaixonados e seus radinhos de pilha, alguns nem tão “radinhos” assim. 


No Rio daquele tempo, não faltavam craques nas transmissões esportivas pelo rádio: Waldir Amaral e Jorge Curi, na Globo; Doalcei Camargo, na Tupi. Lá em casa, ouvíamos José Carlos Araújo, na Nacional, com Luiz Mendes e Washington Rodrigues nos comentários. Januário de Oliveira narrava jogos menores na mítica Rádio Nacional. Na TVE, no entanto, os clássicos eram dele. E, naqueles anos 1980, o Campeonato Carioca era organizado de um jeito que todo domingo era dia de clássico. Dia de jogão. Claro que, para isso, Bangu e América contavam como times grandes e, tecnicamente, geralmente faziam jus à deferência. 


Domingo tudo parava para ouvir as informações que vinham no Maracanã. Terminado o jogo, não tinha TV a cabo para transmitir as entrevistas – que não eram coletivas e rolavam mesmo dentro dos vestiários, com jogador tomando banho ou coisa parecida. Se fosse dia de vitória do seu time, o lance era esperar os Gols do Fantástico, na Globo, quando o sono já dava as caras. Ou esperar o Globo Esporte na hora do almoço do dia seguinte. Quem estudava de manhã e morava longe da escola já pensava na logística para chegar em casa a tempo de ver a reportagem. E nada de dar aquela chegadinha no banheiro na hora do programa, para não correr o risco de perder – não havia Youtube ou Globoplay para acompanhar depois... 


Neste contexto, a reprise da TV Educativa “Canal 2 Rio de Janeiro” era biscoito fino. Às dez da noite, a TVE nos brindava com esta maravilha: na íntegra, o jogo que três horas antes terminávamos de acompanhar no radinho. Minha admiração por Januário de Oliveira vem deste tempo. Ao lado do comentarista Achilles Chirol ele era a voz que acompanhava as imagens da nossa paixão. Lá em casa, elas ainda eram em preto e branco. Como não sonhávamos com TV a cabo, nem com a possibilidade de assistir a todos os jogos de nossos times, tínhamos a exata noção da importância daquelas reprises. Conversando com os mais velhos, nos sentíamos privilegiados. Afinal, a geração de papai para ver os gols precisava ir aos cinemas, com um delay de semanas ou até meses, sem ter a certeza de que acompanhariam os gols esperados. 


No bairro onde cresci, as reprises de domingo eram uma instituição. Um senhor que morava do outro lado da rua dormia sempre após o almoço. Descansava e fazia questão de estar apagado para não saber o que acontecia no Maracanã, nem mesmo pelas manifestações da vizinhança. Às dez da noite, ele sentava em sua cadeira do papai para acompanhar o clássico como se ao vivo fosse. Costumava ser um lazer divino, mas lembro de uma gaiatice que vez por outra estragava o final de domingo. O jogo rolando e alguém gritava, embaixo da janela: “O Bangu vira no final, gol do Rubens Feijão”. Ele costumava responder com um palavrão, sem esconder o desapontamento. 


Quem cresceu apaixonado por futebol e acompanhando Januário só poderia ficar muito feliz com o sucesso midiático dele nos anos 1990. Suas transmissões inesquecíveis, os termos criados e popularizados em tempo de certa entressafra no futebol carioca. Como tricolor, o carinho só aumentou com a tragédia que acometeria Ezio, o Super Ézio, herói solitário de um Flu enfraquecido, um dos personagens prediletos de Januário (Ézio morreu aos 45 anos, vítima de um câncer). Não faz muito tempo me peguei chorando ao ver o velho narrador em uma matéria linda de Eric Faria – com certeza um jornalista da geração que conheceu Januário nos anos 1990 – no Maracanã, seu palco predileto, ao lado de Valdeir “The Flash”, Sávio “o Anjo Louro da Gávea”, William “Pequeno Polegar”, a viúva e o filho de “Super Ézio”. 


Cansado, adoecido, Januário nos deixou no fim de maio. Com ele se foi um pedaço importante da memória afetiva de uma geração de fluminenses apaixonados pelo esporte mais popular do país. Meninos e meninas que tinham as pupilas dilatadas quando Januário de Oliveira sentenciava: “Taí o que você queria, bola rolando no Maracanã”


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