domingo, 14 de agosto de 2022

O dia em que conheci Carlos Drummond e Jorge Amado

Por Mario Lucio Machado Melo Jr.



Foi numa tarde da primavera de 1973, que meu amigo Isaías telefonou para reunirmos os colegas de nosso grupo de jovens católicos na casa dele, no Morro da Viúva, Rio de Janeiro. Eu morava próximo e cheguei logo no apartamento do Isaías, que era filho do imortal da Academia Brasileira de Letras, Odylo Costa Filho. Quando, repentinamente, tocou a campainha e entrou na sala de estar um senhor magrinho, calvo, cabeça desproporcional ao corpo franzino. Sem dúvida nenhuma era o poeta Carlos Drummond de Andrade, que cumprimentou todos com grande tranquilidade, se juntou ao nosso grupo e perguntou onde estava o Odylo Costa. Alguém explicou que ele fora encontrar com seu editor no Centro da cidade e que estaria de volta no final da tarde. O poeta se sentou numa cadeira de balanço e nos olhou com um sorriso tímido. Todos estávamos de boca aberta e visivelmente emocionados com a surpresa. 

Rompendo a atmosfera de silêncio constrangedor, perguntei qual era, para ele, o maior poeta de todos os tempos. Ele, com toda calma e humildade respondeu: “Sem dúvida alguma é Fernando Pessoa”! Caminhou até a biblioteca particular do dono da casa, demonstrando grande intimidade, e pegou um livro de poemas de Fernando Pessoa e começou a escolher o que ele achava melhor. Enquanto isso, fizemos uma roda em volta de sua cadeira de balanço. Ao invés de ler, pediu para que cada um dos jovens do grupo lesse e, além de ensinar a recitar no tempo e ritmo certo ainda explicava o contexto e situação de cada poesia. Foi uma aula perfeita de poesia viva, nunca vou esquecer aquela cena.

Jorge Amado

Repentinamente toca a campainha novamente e entra um homem grande, moreno, de bigode, que logo reconheci se tratar do escritor Jorge Amado, pois estava lendo sua trilogia “Subterrâneos da Liberdade”, romance que mostrava a resistência política durante a ditadura de Getúlio Vargas. Pensei: que coincidência! Meu coração batia acelerado, parecia que eu havia acertado na loteria. Perguntei ao Isaías se ele também estava esperando o pai dele e ele disse que certamente ele estava esperando sua filha Paloma chegar do trabalho, já que ela era casada com seu Irmão Pedro. 

Uma das meninas de nosso grupo foi para a janela da varanda do apartamento, sendo seguida pelo ilustre escritor. Fiquei observando os dois quando percebi que a colega estava incomodada com a aproximação do escritor. Fui em direção a eles e olhando bem em seus olhos, do alto de meus impetuosos 17 anos, falei: “Estou adorando a leitura de 'Subterrâneos da Liberdade'. Você foi bastante corajoso ao mostrar os horrores da repressão ocorrida durante a ditadura Vargas e participar da resistência”. Ele, desviando o seu olhar para a Enseada de Botafogo, com um semblante perdido no tempo, disse: “Foram arroubos da juventude. Hoje já não acredito em nada daquilo”. 

Aproveitando a distração dele, passei a mão no ombro de minha colega e a tirei daquela situação que não parecia confortável a ela: “Sabe quem era aquele senhor?” e já respondi logo: “Era Jorge Amado, o grande escritor”. Ela, com toda a indiferença juvenil e desconhecimento literária das pessoas não apresentadas aos livros respondeu: “Era um velho muito do enxerido e cheio de conversa mole pro meu lado. Quem gosta de velho é naftalina. Vamos sair hoje a noite para dançar”? Como eu estava muito decepcionado com meu herói missivista e se tratava de uma ruivinha de olhos azuis, com lindas sardas nas bochechas, não resisti aos seus encantos e fomos dançar disco music. Nesse dia fui de Zeus a Hades em poucas horas, mas, foi inesquecível.


Ilustração: Cacinho

Quero encarar Hilda Hist

  Renata de Souza*   Há pouco tempo fui interrogada sobre o sentido da escrita em minha vida. - "Por que você escreve?" Inicia...