domingo, 1 de maio de 2022

O dia que conheci Vinícius de Moraes

Por Mario Lucio Melo



Eu estudava no Colégio São Bento, situado ao lado da Igreja e do Mosteiro de mesmo nome, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Tinha em torno de 13 anos e nosso professor de Português, se não me falha a memória se chamava Almir, dividiu a turma em cinco grupos e sorteou cada um com uma poesia de algum autor relevante da literatura brasileira. Fomos brindados com a poesia A Bomba Atômica de Vinícius de Moraes, publicada em 1954, no Rio de Janeiro. 

O grupo recebeu a tarefa com muito entusiasmo e começou a correria para comprar o livro que continha o poema. Não existia a Internet e me lembro muito bem que devorei todas as poesias da “Antologia Poética de Vinicius de Moraes”. Coisa boa, pois não parei mais de ler poesias até hoje, ano em que faleceu o maior deles, em minha opinião, Thiago de Mello, o poeta da liberdade. A partir daí foi iniciado o debate no grupo, sobre o significado da poesia. Cada um dos cinco membros, tinha uma opinião fechada sobre a poesia que tem três partes. Convocamos adultos para opinarem. Piorou a confusão pois tentaram impor suas opiniões afirmando maior conhecimento, maturidade, cultura, “saber” etc, até que um dos membros disse: 

— Meu pai conhece o Vinícius e talvez possa marcar um encontro com ele.

 Ficamos agitados com a possibilidade de encontrar pessoalmente o Poeta e tirar todas as nossas dúvidas e, mais ainda, tietar agora o nosso mais novo ídolo.

Qual não foi nossa surpresa quando veio a confirmação do encontro: 

— Vai ser na quinta-feira, as oito horas da manhã na casa dele! — disse o colega que havia se encarregado do assunto. 

Reli a poesia dezenas de vezes buscando capturar, nas entrelinhas, alguma intenção poética oculta e sempre ficava embatucado com as comparações de partes femininas e a força do sexo. 

Chegamos pontualmente às 8 horas no apartamento de Vinicius de Moraes, tocamos a campainha e, quando a porta foi aberta, estava nos olhando uma linda moça de uns vinte e poucos anos. Ela disse: 

— Podem entrar, ele está esperando vocês! No corredor, é a segunda porta a direita.

Quando entramos na referida porta, estávamos no banheiro do Poetinha. Ele, em uma banheira de água com espuma e um grande copo de whisky. Nos acomodamos nos aparelhos do banheiro, por recomendação dele, e passamos a narrar a situação da falta de consenso entre as interpretações da sua poesia. Ele nos perguntou quais eram as nossas interpretações e após ouvi-las, disse meio sem paciência: 

— Não é nada disso! Vocês sabem que fui diplomata e, quando servi ao país na França, percebi que a bomba atômica era uma arma que foi feita para nunca mais ser usada, depois do que foi feito no Japão. Passou a ser uma garantia de segurança dos blocos antagônicos (na época o mundo estava dividido entre a Otan e o Pacto de Varsóvia), para que ninguém iniciasse uma guerra nuclear onde o planeta seria devastado. Por tal motivo, quem a possuísse teria a garantia de que nenhum outro país tivesse a coragem de invadir. Então ela era uma arma da paz e isso estava explícito na Parte II da poesia, o resto era puro lirismo.

Pediu mais um copo de uísque para sua companheira, que nos olhava da porta do banheiro. Depois dessa explicação, nos disse que havia acabado de chegar de um encontro com amigos e precisava dormir um pouco. Agradecemos a atenção e saímos contentes por termos resolvido o trabalho do colégio. Porém a contradição entre uma arma capaz de destruir o mundo e, ao mesmo tempo, capaz de proporcionar a paz ficou em nossas cabeças e provocou muita reflexão sobre a vida e a essência contraditória das coisas. Isso me acompanhou até quando estudei sobre a dialética da natureza, aliás assunto fundamental para ser explorado por quem deseja entender todo o processo de nossa existência. Assim, bom estudo!!!


Ilustração: Cacinho

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