terça-feira, 24 de dezembro de 2024

CHICO JÁ FOI UM GENEROSO PATRÃO DE LULA

 Um pouco sobre a longa amizade

de Lula com Chico Buarque


Muita gente estranhou que, entre as poucas visitas que o presidente Lula recebeu logo após a alta hospitalar da cirurgia de emergência que passou no dia 10 de dezembro para conter uma hemorragia intracraniana estivesse o cantor, compositor e escritor Chico Buarque. 

O artista visitou Lula em sua casa na capital paulista no dia 17, acompanhado de sua esposa, a advogada Carol Proner. O presidente recebeu o casal com sua esposa Janja. Nas redes sociais, ele postou uma foto com Chico, de autoria do fotógrafo Ricardo Stuckert, que reproduzimos a seguir.


Segundo mensagem de Lula divulgada pela Agência Brasil, “nada melhor que receber amigos em casa. Hoje, eu e Janjinha tivemos uma visita muito especial. Recebemos Chico Buarque e Carol Proner, em São Paulo. É sempre uma alegria poder ter vocês por perto. Um samba pra alegrar o dia!"

Mas o início da amizade entre ambos vem de longe, e nasceu ainda na ditadura militar nos anos de 1970/80, com as greves lideradas pelo então sindicalista Lula, como conta a saborosa crônica do jornalista Oswaldo Coimbra, que segue abeixo para deleita das amigas e amigos do Pavio Curto. 


CHICO JÁ FOI UM GENEROSO PATRÃO DE LULA

Por Oswaldo Coimbra*

A revelação surgiu no meio as dezenas de horas de entrevistas com Lula, gravadas por Fernando Morais, durante sua longa preparação (uma década) para escrever “Lula, biografia”. Ele a comprova, no seu livro, mostrando a existência da Serralheria Doze de Maio, à página 375. Nela, pode ser visto o registro, em Carteira de Trabalho, do encerramento do contrato de um operário da serralheria, no dia 30 de junho de 1989. 

Fernando explica assim o fato desconhecido. Em 1980, os metalúrgicos de São Bernardo, desafiaram a Ditadura Militar, promovendo uma poderosa greve. Em represália, sofreram intervenção no sindicato deles. Todos os 11 membros da diretoria sofreram cassação de mandato. E foram mantidos presos por 30 dias. 


No período, para agravar ainda mais a situação deles, as empresas onde trabalhavam, como vingança pela greve, alegaram que eles tinham abandonado seus empregos. E os demitiram por justa causa. Assim, sem direito às indenizações e desempregados, eles também foram automaticamente excluídos do sindicato que comandavam antes, porque, não eram mais metalúrgicos de São Bernardo.

Então, surgiu a ideia de criarem a serralheria para que ela os contratassem. Mas, não tinham um centavo para a compra de equipamentos e materiais. Por isto, apelaram para a solidariedade do Sindicato dos Metalúrgicos da Suécia, obtendo, desta maneira, a metade do necessário. “A outra metade saiu do bolso de Chico Buarque”, escreve Fernando Morais. 

Lula havia presidido o sindicato e fora privado da indenização dos seus 14 anos de trabalho na Villares Metais. Logo, se tornou empregado da serralheria, com registro em carteira. Junto com seus 10 companheiros, entre os quais: Djalma Bom, Devanir Ribeiro, Gilson Menezes, Enilson Simões de Moura (Alemão), José Maria de Almeida, Expedito Soares, e, Rubens de Arruda.

 Que, no futuro, se tornaram, respectivamente: vice-prefeito de São Bernardo, deputado federal, prefeito de Diadema, presidente da Social Democracia Sindical (SDS), dirigente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), advogado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e vice-presidente do mesmo sindicato.

As dificuldades eram muitas. Mas não impediram Lula de brincar com Chico. Conta Fernando Morais: “Quando a doação de Chico caiu na conta bancária da serralheria, Lula telefonou ao artista para agradecer. E anunciou a nova condição do músico: “Chico, agora você é patrão. É industrial. Já pode ser candidato à presidência da FIESP”.

Ao longo de 41 anos, ninguém soube desta ajuda em dinheiro dada por Chico. E alguém jamais saberia, se dependesse dele próprio.Porque, discreto ao extremo, Chico é incapaz de propagar um ato seu altruísta assim. 


Ilustração do arquivo do Instituto Lula: o “industrial” e o metalúrgico confraternizam, acompanhados de Frei Betto



*Jornalista








MINHA AVÓ JÁ QUEIMOU SUTIÃS

 Renata Silva*

Naquele dia 8 de março, Norma fez o que lhe era costume fazer. Acordou, tomou banho e café, vestiu uma calça jeans, uma camiseta, calçou um surrado All Star e foi trabalhar. Uma manhã inteira de aulas na escola particular em que trabalhava. História. Naquele dia, falara sobre a exploração do trabalho feminino e pensava preocupada, se conseguiria pagar as próprias despesas com o salário que recebia. Boletos, boletos... A hora do intervalo foi diferente, pensou: dia internacional da mulher. O diretor leu um texto bonito. Ela ganhou uma rosa vermelha de presente, uma caneta de quadro novinha e muitos, muitos cumprimentos, "feliz dias mulheres!". Não compreendia porque aquilo tudo lhe deixara profundamente irritada. Cobrou de si, " como posso ficar irritada com tanto carinho?" Um sentimento meio Nísia Floresta.

Já em casa, depois do almoço, uma pilha de avaliações para corrigir, diários eletrônicos para preencher, e era preciso achar tempo para responder as dúvidas dos pais na plataforma da escola. Suspirou para conter o cansaço. Um suspiro Pagu. No grupo do partido político, novamente recebeu um trilhão de mensagens, emoj com corações, babados, rendinha guipir e a saudação "feliz dia das mulheres!", em pauta, lembrar que para cada dezesseis políticos, apena uma é mulher. Irritou-se mais ainda e continuava sem saber o motivo. Talvez a voz calada de Bertha Lutz.

Lavou a louça, colocou a roupa para bater, limpou a casa, preparou o jantar e de sobremesa, um "feliz dia das mulheres!" veio do marido. Sorriu. Riso pálido, sem graça. De repente, lhe veio à cabeça Simone de Beauvoir. No grupo de WhatsApp da família corria a fofoca do assassinato de uma amiga de infância. Feminicídio. Um olhar melancólico do tipo Leila Diniz, ficou perdido no tempo.

Boa cristã que era, frequentou o culto naquela noite, com paciência concentrou-se na pregação e talvez, ainda em tom de cobrança imposta a si, considerou importante o pastor lembrar de desejar um feliz dia das mulheres à assembleia. Que ela não se Irritasse com as questões da fé! Antes de ir embora, sentiu quando um irmão deu dois tapinhas no seu ombro , uma risadinha e disse, "feliz dia da mulher!". Pena que não existisse o dia do homem" Estourou! Como Angela Davis. Não resistiu. Estava à flor da pele. Cansada do velho jogo das concessões, de agrados sem importância. Nada foi de presente! Tudo foi conquista! Deitou aniquilada.

Antes, esqueceu a flor já despedaçada em cima da pia, jogou a caneta no velho estojo de tecido desbotado, engoliu a seco o feliz dia das mulheres, pensou nos quilômetros de passeatas percorridos, nos milhares de sutiãs queimados. Os olhos rasos d'água, como os de Conceição Evaristo. Sem sono, resolveu escrever um poema. É as mulheres são muito estranhas, muito estranhas.


* Historiadora, professora e escritora

Março, 24.

O sabor do Saber

                                                                                                                 Fabíola Soares Ferreira  ...