segunda-feira, 8 de novembro de 2021

“Eu não tenho ‘homens’, general!”

 

Ilustração Cacinho

Por Ernesto Germano Parés 


Falar sobre o Nove de Novembro é uma tarefa difícil, ainda mais quando precisa não alongar. A dificuldade maior é esquecer ou ser injusto com algum companheiro que participou daquela greve. Mas vamos tentar ser mais “leves” na narrativa.

Posso assegurar, sem dúvidas, que o Nove de Novembro de 1988, na verdade, começou antes. Com pouca chance de errar, arrisco-me a dizer que tudo começou numa tarde de agosto durante uma reunião normal da diretoria do Sindicato. Os diretores faziam os informes do que acontecia na Usina e a avaliação apresentada era de uma situação de insatisfação geral entre os metalúrgicos. 

Ao final da reunião, a diretoria concluiu que – concretamente – só havia a possibilidade de lutar pela reposição da URP e pelos atrasados do Plano Bresser, e que se iniciaria imediatamente essa campanha. De toda forma, considerando o período retroativo, se a CSN fizesse o pagamento dos atrasados da URP daria um bom dinheiro extra para os trabalhadores. E criou-se um lema para a campanha do pagamento da URP: “Buscar a castanha do Natal”. A ideia era forçar a empresa a fazer o pagamento antes do final do ano.

        

Sexta-feira, dia 4 de novembro

Uma Assembleia convocada pelo Sindicato aprovava o início da greve para a segunda-feira (07/11), durante a entrada do turno da noite. Ficou também decidido que seria realizada uma nova Assembleia às 17 horas, para o caso da empresa acatar as reivindicações, evitando a paralisação. 

Domingo, dia 6 de novembro

Havia uma reunião da diretoria do Sindicato já marcada. Serviria para se fazer um balanço do movimento, preparar o boletim que seria distribuído, distribuir as tarefas de cada diretor para a segunda-feira e avaliar a questão das eleições.

Na tarde do domingo, já com novas informações sobre o ânimo dos trabalhadores, ficamos sabendo que havia movimentação no quartel de Barra Mansa e que o exército viria mesmo para a cidade. Era necessário mudar os planos porque a informação era de que as tropas iriam chegar na hora da Assembleia que iniciaria a greve.

Um dos companheiros da reunião fez nova proposta: se o exército vai chegar na hora de começar a greve, então vamos antecipar.


Segunda-feira, dia 7 de novembro 

Tudo começou exatamente como o previsto. Um grupo de diretores e ativistas entrou com um panfleto curto e objetivo: “A Greve Começou”. Imediatamente os vários setores iam aderindo e parando os equipamentos que podiam parar ou preparando os mais delicados para o desligamento. 

Tudo corria tão bem que na hora do almoço, mesmo estando de plantão no Sindicato, saí para almoçar no bar em frente. Todos os diretores do Sindicato estavam na Usina e conversavam com cada um.

Nada aconteceu e a noite correu tranquila. Vez por outra um companheiro telefonava de dentro da Usina para dar informes. Tinha até alguém tocando violão.


Terça-feira, dia 8 de novembro

O movimento começou a mudar de figura na tarde da terça-feira quando o telefone tocou no Sindicato. Atendi a ligação que a telefonista me passou. Era a esposa de um metalúrgico que morava na estrada entre Barra Mansa e Volta Redonda para dizer que vários caminhões com soldados do BIB estavam passando em nossa direção.

No final da tarde da terça-feira já estavam em Volta Redonda vários batalhões e os soldados ocupavam a entrada da Usina com ninhos de metralhadoras, tanques e outros veículos de combate. Faziam uma espécie de cerco na área como se estivessem impedindo os trabalhadores de invadir a CSN e, certamente, isso era apenas uma cena para ser filmada e fotografada para a imprensa do restante do país, dando a impressão de que estavam ali para impedir os metalúrgicos de entrar.

Mas também essa noite transcorreu sem incidentes. 

Quarta-feira, dia 9 de novembro

Na manhã da quarta-feira, dia 9, já sabíamos que as coisas seriam diferentes. Houve movimentação de tropas durante toda a noite, novos batalhões vindos de Resende e outros quartéis chegavam a Volta Redonda. Muitos carros de combate estavam posicionados nas quatro entradas da Usina e os soldados pareciam nervosos. E víamos também, pela cidade, uma inusitada quantidade de soldados da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Veio a tarde, a movimentação no Sindicato aumentou. Estávamos programando um ato público de apoio aos metalúrgicos na entrada da Usina. Haveria músicas e a ideia era permitir que as famílias dos operários enviassem recados para o pessoal pelo carro de som. 

Foi quando os soldados começaram a barbárie na Vila Santa Cecília. A polícia começou a bater no pessoal, na rua, e jogando bombas de gás! Tomaram conta da Vila e invadiram até lojas comerciais procurando o pessoal que estava no Ato!

Isso tudo foi fartamente documentado e filmado. Há vários vídeos mostrando a ação dos soldados no centro da cidade e, inclusive, a TV Manchete chegou a colocar um no noticiário.


A troca de Ulysses que deu certo

Começava a pior parte da história. Pouco depois o Marcelo, vice-presidente do Sindicato, voltou a ligar:

- Ernesto, você precisa fazer alguma coisa aí de fora! Os soldados estão atirando, e não é bala de borracha, não. Os tiros batem no teto da aciaria e furam as chapas... Liga para o Dr. Ulysses e fala também com a imprensa. Está difícil de conter o pessoal... os soldados estão ameaçando invadir a aciaria e aí eu não sei o que vai acontecer...

Foi nesse momento que eu cometi um dos maiores erros da minha vida, mas que acabou dando certo. O Marcelo tinha pedido para eu telefonar para o Dr. Ulysses. Ele estava pensando no Dr. Ulysses Riedel, nosso advogado com escritório em Brasília e presidente do Diap. Mas eu troquei tudo:

- Cidinha, agora liga para o Ulysses Guimarães!

Poucos minutos depois - não me perguntem como - a Cidinha me chamou dizendo que o Ulysses estava na linha. E tenho que admitir que foi inacreditável! Ele já estava em casa, descansando, e me atendeu cordialmente. Passei todas as informações, disse que o Juarez, deputado federal, estava cercado pelos soldados dentro da Usina e que diziam que estavam com ordens para prendê-lo. Falei que os soldados estavam atirando e que já havia muitos feridos entre as pessoas que estavam no centro da cidade. E ele perguntou se eu sabia o nome do comandante. Pediu para desligar e que eu ficasse aguardando outra ligação. Dei para ele o outro número de telefone, que raramente usávamos e estaria mais disponível. 


“Não tenho homens!”

Antes das dez horas, a conversa com Ulysses Guimarães começou a fazer efeito. Quando o telefone tocou, a Cidinha me chamou dizendo baixinho:

- É o general!

Peguei o telefone e estava bastante nervoso. Respirei fundo... Do outro lado, o general José Luis Lopes perguntou com quem estava falando. Acho que mediu bem para saber se valia a pena falar comigo, e, sabendo que não teria um diretor para falar, me intimou:

- Vamos fazer um acordo. Você manda seus homens recuarem e pararem as provocações que eu mando a tropa não invadir a aciaria.

E aqui eu cometi o grande erro! O erro que dá título a esse artigo. Respondi ao general:

- General, eu não tenho “homens”! Lá dentro estão trabalhadores, em greve. Tudo eles decidem lá, entre eles, votando... Eu posso é passar o recado para eles.

Trégua sim, mas com greve 

Ele desligou e eu comecei a achar que tinha feito uma besteira enorme! Mas, poucos minutos depois, ele voltava a ligar para o Sindicato e me perguntava se havia alguém em condições de negociar com ele. Eu respondi que sim e que daria uma relação com os nomes, mas pedi alguns minutos para confirmar e que ele, ao menos, mandasse os soldados pararem de atirar.

Já estava no Sindicato, prontificando-se para qualquer necessidade, o prefeito da cidade, Dr. Marino Clinger. Tentei localizar Dom Waldyr Calheiros, bispo de Volta Redonda, para que fizesse parte da comissão. Ele aceitou imediatamente e eu ainda falei com o deputado federal Edmilson Valentim, que ouvira no noticiário no rádio do carro e mudou o itinerário indo para Volta Redonda. 

Quando um oficial ligou para saber quem iria falar com o general, eu passei a lista: Dom Waldyr Calheiros, Dr. Marino Clinger, Edmilson Valentim e Juarez Antunes. Ele me comunicou o local do encontro – no Hotel Bela Vista – e perguntou se eu iria também. Respondi que não (nem sou maluco!) e que iriam só aqueles, com o motorista do Sindicato.

A trégua foi acertada, os metalúrgicos se retiraram da Usina, mas a greve continuou!


*Jornalista, escritor, produtor de comunicação, consultor sindical, assessor político, militou na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP) nas décadas e 1969 e 1970.
Nos anos 1980 e 1990, atuou em vários sindicatos. Entre 1984 e 1991, atuou como assessor das áreas administrativa e de imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, Barra Mansa, Resende e Itatiaia, entidade que congregava os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a convite do então presidente da entidade, José Juarez Antunes. A partir de 1989, assumiu a edição do boletim do Sindicato, chamado 9 de Novembro, em homenagem aos trabalhadores da CSN assassinados durante a greve ocorrida em novembro de 1988.


Cacinho é Formado pela Faculdade de Cinema e TV da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora, em 2006, foi responsável pelo Núcleo de Animação da Groia Filmes, até o ano seguinte, quando abriu sua própria produtora, a AGente QUE FEZ – ANIMAÇÕES, também em Juiz de Fora/MG, tem mais de 20 curtas metragens e muitos prêmios em festivais de cinema e animação. Ministra oficinas e cursos de animação em escolas, universidades, clubes e festivais de cinema e vídeo. Foi chargista do jornal impresso TRIBUNA DE MINAS, durante o ano de 2018. Em 2019, funda em sociedade com o chargista André Ribeiro a revista digital DUAS BANDAS E UM CUJUNTINHO, que é uma homenagem a extinta revista BUNDAS do Ziraldo e em 2020 junto com o Coletivo PAVIO CURTO, iniciou os trabalhos de charges, caricaturas, ilustrações e animações para a revista digital de mesmo nome.

 


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