quarta-feira, 16 de junho de 2021

Eu tô cansada

 

Ilustração Mani Ceiba

Por Stephany Brito

Venho relutando pra falar disso. De todas as opressões que sinto, essa é a que me sinto mais sozinha. Porque contra o racismo não tem porém, contra o machismo não tem porém, contra o fascismo não tem porém, mas contra a gordofobia sempre surge um. 

“Mas você tem que cuidar da sua saúde”. “Mas gordura em excesso é prejudicial”. “Mas eu só quero o seu bem”. 

Já ouvi isso de pessoas que fumam “que nem uma caipora”; de pessoas que não cuidam do Diabetes; de pessoas que se dizem desconstruídas, mas insistem em falar que “obesidade é doença, você tem que se cuidar”. 

Não nego a propensão a doenças, mas olhar uma pessoa gorda como uma pessoa doente é no mínimo perverso e explicarei por quê:

Quando se encara uma pessoa acima do peso como uma pessoa doente, você coloca nela o peso do estigma. 

Sabe por que a gente não faz atividade física? 

Porque nos é negado esse direito.  Porque nas lojas não tem roupas do nosso tamanho. Porque na academia é inevitável perceber os olhares de julgamento. 

Sabe por que grande parte das pessoas gordas é solitária? 

Porque nossos corpos não são vistos como sensuais. Porque quando a gente encontra as pessoas que em sua maioria a gente conhece pela internet elas usam e vão embora sem ao menos explicar o porquê, mas a gente sabe! No fundo a gente sempre sabe. 

Nós sempre somos vistos como os amigos da galera, e se ousamos, por ventura, sentir prazer, temos nossos sentimentos banalizados. 

Não é só o direito de nos exercitar ou o de ser amada que nos tiram, também é usurpado de nós o direito de ir e vir, o direito de ter um atendimento hospitalar e laboratorial digno com equipamentos que atendam às especificidades dos nossos corpos e médicos que não justifiquem dores de cabeça ou corte no dedo com a frase “você precisa emagrecer”. 

Eu tô cansada de morrer. Eu tô cansada de me sentir inadequada. Eu tô cansada de gente que na minha frente me apoia, mas que “passa pano” pros meus assassinos por trás. Eu tô cansada dos olhares de reprovação e de ter 20 primeiros encontros por ano porque ninguém quer uma segunda vez. Eu tô cansada de chegar a lugares onde as pessoas deduzem que só me alimento de pizza e hambúrguer sendo que tenho uma alimentação saudável. Eu tô cansada de ter minha capacidade negada e meu valor profissional diminuído por que acham que gorda não é capaz de dar uma aula decente. Eu tô cansada de ouvir que as pessoas se preocupam com a minha saúde, mas eu ter que lutar sozinha pra pagar meu plano, pra comprar meus legumes e verduras, pra brigar pelo direito de fazer um preventivo sem sair com um encaminhamento de bariátrica. 

Eu tô cansada de ver amigas gordas maiores chorando de solidão. Eu tô cansada de chorar de solidão. 

Eu morro todo dia e você que tem atitudes gordofóbicas é quem me mata. Todo dia eu morro sozinha e lentamente. E eu tô cansada de morrer! 


Nota de rodapé: gorda maior são pessoas que vestem acima do manequim 58 e que na sociedade não são “passáveis” por não terem um padrão de corpo considerado “bonito, tipo violão”. Essas pessoas, além de terem acesso à moda negado também, tem negados os direitos a acessibilidade, a atendimento médico digno, a emprego, a locomoção decente e etc. 

A sociedade limita até aonde você pode ser gorda e depois disso você é automaticamente tachada como doente.


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