domingo, 30 de maio de 2021

Do Sumaré ao Ipiranga: uma conversa sobre mudança de rumos

Imagem Mani Ceiba


 Por Luís Filipe Pereira


“Você vai pela Consolação, e depois pegar a Radial Leste?”, perguntei, querendo encontrar uma alternativa. Saindo da região da Doutor Arnaldo até o Ipiranga, no começo da noite, levaria aproximadamente uma hora. “Não… O aplicativo está me mandando atravessar a Paulista inteira, e ir por dentro da Vila Mariana. Tudo bem por você?”, perguntou o motorista. Aceitei e falamos brevemente sobre o trânsito. Em ponto morto, a conversa passou pela expectativa da vacina, a crise econômica provocada pela pandemia, falta de oportunidades, e - como esperado - chegou até a influência do Desgoverno Federal para o atual estado das coisas. “Acho que a culpa disso tudo é do presidente”, lancei, já pensando em reunir argumentos para uma tréplica. É comum em situações como essa ouvir como resposta um “Ah, mas a imprensa fala muita mentira” ou ainda “O problema dele é que é muito sincero, não tem meias palavras, as pessoas não entendem”. 


Mas não. Na fria noite de 20 de maio de 2021, o motorista de aplicativo concordou comigo. Incrédulo, ouvi um “Eu sinceramente espero que essa CPI dê em alguma coisa”. O carro agora passava em frente ao Masp. Até a Bernardino de Campos, já no Paraíso, meu interlocutor criticou a falta de articulação política para que a vacina fosse viabilizada mais cedo. “Se ele tem uma opinião pessoal contrária, era preferível ficar quieto. Xingar o Dória e xingar a China só atrapalha. Tem muita gente morrendo todo dia, perdendo a vida para uma doença que já tem vacina”. E foi emendando um argumento no outro. Reclamou da relação do clã Bolsonaro com o poder e de promessas de campanhas que não foram cumpridas, como gás e outros combustíveis baratos. Passávamos em frente ao prédio da Fiesp e, entre um farol vermelho e outro, como dizem os paulistanos, agora tanto fazia se o trânsito aumentava ou diminuía. A conversa estava boa e isso bastava. 


Reginaldo contava que havia optado pelo voto em Bolsonaro em 2018 e estava arrependido. Dizia ainda que, desde o início da pandemia, tinha se esforçado para deixar clara sua posição aos passageiros que entram no carro e conversam sobre política. Segundo ele, não há qualquer problema em rever posições e opiniões políticas. Pelo contrário, é algo simples. “Eu sou da opinião de que temos sempre que dar espaço para o novo, chance para que as pessoas que nunca estiveram no poder sejam eleitas. No caso do Bolsonaro, eu falo para você, com sinceridade, que foi uma escolha errada. De algum jeito ele trazia uma mensagem de renovação, mas era só propaganda. Agora precisamos de outra pessoa”. E nessa lógica, depois de se arrepender de escolher o candidato da arminha nas eleições presidenciais, nosso camarada votou em Guilherme Boulos para a Prefeitura de São Paulo. “Não deu, né? Ele sofreu muito com fake news. Quando ouvi aquele monte de coisa, das pessoas dizendo que ele ia autorizar invasão nos imóveis, não acreditei. E era tudo mentira mesmo, mas tem gente que acredita, infelizmente. Eu moro na periferia, região Oeste, e sei que a gente precisa de políticos que olhem para o nosso lugar. Aqui no Centro as coisas estão resolvidas, encaminhadas. Vai na quebrada para você ver, é muito problema. Vamos ver se ele se candidata a governador ano que vem”. 


Nas proximidades do Largo da Ana Rosa, enquanto um ciclista passava ao lado do carro, Reginaldo se lembrou da gestão de Fernando Haddad. “O que pegou para ele foi o ódio que as pessoas passaram a ter pelo PT. Mas fez um governo justo, a cidade ganhou muita ciclofaixa, ciclovia. Era até estranho porque eu ia para o interior e via tudo isso, e pensava, me perguntava quando que São Paulo poderia ter esse tipo de coisa”. No restante do trajeto, pouco mais de 20 minutos, até a Rua Bom Pastor, abstraí meu pensamento. Entre uma fala e outra, que enaltecia o voto consciente e o poder transformador da Educação, fui me enchendo de esperança. Ao fim dos pouco mais de 50 minutos de conversa, agradeci pelo papo. Saí do carro, percebi a garoa fraca e respirei fundo. Que assim seja, Reginaldo!

1 comentário:

  1. Que maravilha de texto e aproveito para destacar dois trechos para um post do link das redes sociais:

    Primeiro "(...) Segundo ele, não há qualquer problema em rever posições e opiniões políticas. Pelo contrário, é algo simples."

    Segundo "(...) De algum jeito ele trazia uma mensagem de renovação, mas era só propaganda.".

    Vale a reflexão... Será que dá para renovar? Ou são tudo farinha do mesmo saco?

    Forte abraço pra ti, meu amigo.

    ResponderEliminar

Quero encarar Hilda Hist

  Renata de Souza*   Há pouco tempo fui interrogada sobre o sentido da escrita em minha vida. - "Por que você escreve?" Inicia...