Por Clóvis Lima
Fico imaginando o que o Vicente Melo falaria dele mesmo nesse momento, pois não sei se o texto que me atrevo a escrever estaria a sua altura. Vou me arriscar.
Talvez ele fizesse uma piada dele mesmo com aquele humor inquieto e mordaz.
Talvez ele esteja fazendo isso agora mesmo, rindo e confabulando ideias.
Vicente é assim, uma figura inquieta e às vezes indecifrável.
A face mais indecifrável do amigo foi sua vida durante a ditadura. Nunca me revelou muita coisa. O pouco que sei, por respeito a ele vou suprimir desse texto. Se ele não contou, quem sou eu para contar? Mesmo sendo ele mais um dos muitos perseguidos nos anos de chumbo, dificilmente transparecia. Vicente sabia viver o momento presente e sem querer nos ensinou isso. Ele sabia se levantar. Teve na década de 90 que conviver com a perda se seu filho Rafael, um grande cara que tive o prazer de conhecer, alegre como o pai. Vicente perdeu seu filho mais velho e acabou nos adotando a todos.
Engraçado como tudo parecia mais leve quando eu o encontrava na Vila, na padaria ou nos eventos culturais. Ainda me lembro quando em 2016, após o golpe na Dilma, ainda apreensivo e sem chão, encontrei-o na padaria no Aterrado e trocamos algumas ideias sobre o que havia acontecido. A serenidade dele era de quem já havia testemunhado parte da história do Brasil e por isso deixava escapar dos olhos uma esperança. Já lá em 2016 ele me disse com todas as letras que aquele era só o começo, que Lula seria preso e que a tendência era, por hora, a coisa piorar. É bom grifar o “por hora” nesse texto pois ali estava sua esperança de que o mal fosse passar. Vai passar, sim, Vicente. Muita coisa passa. Nossa amizade não.
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